terça-feira, 16 de setembro de 2008

Perfil[AmOo esse]

yeah, yeah, yeah°°°

http://www.youtube.com/watch?v=5apBPucWk64


"Como se eu estivesse fora do movimento da vida.A vida rolando por aí feito Roda-Gigante,com todo mundo dentro,e eu aqui parada, pateta,sentada no bar.Sem fazer nada,como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros.A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante.Você tem um passe para a roda gigante,uma senha, um código,sei lá.Você fala qualquer coisa tipo bá,por exemplo,então o cara deixa você entrar,sentar e rodar junto com os outros.Mas eu fico sempre do lado de fora.Aqui parada,sem saber a palavra certa,sem conseguir adivinhar.


Olhando de fora,a cara cheia,louca de vontade de estar lá,rodando junto com eles nessa roda idiota - tá me entendendo garotão?

Nada,você não entende nada.Levanta não,te pago outra vodka quer,quer?Só pra deixar eu falar mais na roda.A roda?Não sei se é você que escolhe,não.Já viu gente morta,boy?É feio,boy.A morte é meio feia,muito suja,muito triste.Queria eu tanto ser assim delicada e poderosa...Uma mesa, um cinzeiro,um prato vazio.Uma coisa sem nada dentro.Que nem casca de amendoim jogada na areia,é assim que a gente fica quando morre,viu,boy?

Fissura,estou ficando tonta.Essa roda girando girando sem parar.Olha bem:quem roda nela?As mocinhas que querem casar,os mocinhos a fim de grana pra comprar um carro,os executivozinhos a fim de poder e dólares, os casais de saco cheio um do outro,mas segurando umas.Estar fora da roda é não segurar nehuma,não querer nada.

Feito eu: não seguro picas, não quero ninguém. Nem você. Quero não, boy. Se eu quiser, posso ter. Afinal, trata-se apenas de um cheque a menos no talão, mais barato que um par de sapatos. Mas eu quero mais é aquilo que não posso comprar.

Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar.

Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi.

Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo.

Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor.

Cuidado, comigo: um dia encontro.

Só por ele, por esse que ainda não veio, te deixo essa grana agora, precisa troco não, pego a minha bolsa e dou a fora já. Está quase amanhecendo, boy. As damas da noite recolhem seu perfume com a luz do dia. Na sombra, sozinhas. envenenam a si próprias com loucas fantasias.

Eu vou embora sozinha. Eu tenho um sonho, eu tenho um destino, e se bater o carro e arrebentar a cara toda saindo daqui. continua tudo certo. Fora da roda, montada na minha loucura. Parada pateta ridícula porra-louca solitária venenosa. Pós-tudo, sabe como? Darkérrima, modernésima, puro simulacro. Dá minha jaqueta, boy, que faz um puta frio lá fora e quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada."


Trechos de Dama da Noite[Caio Fernando Abreu]
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